EDUCAÇÃO FÍSICA E INCLUSÃO: CONSIDERAÇÕES PARA A PRÁTICA
PEDAGÓGICA NA ESCOLA
Ruth Eugênia Cidade
Universidade Federal do Paraná - Doutoranda na Unicamp
Patrícia Silvestre Freitas
Universidade Federal de Uberândia - Doutoranda na Unimep
Obs: Este texto encontra-se em processo de publicação na revista INTEGRAÇÃO - MEC
A Inclusão, como processo social amplo, vem acontecendo em todo o mundo, fato
que vem se efetivando a partir da década de 50. A inclusão é a modificação da
sociedade como pré-requisito para que pessoa com necessidades especiais possa
buscar seu desenvolvimento e exercer a cidadania (Sassaki, 1997). Segundo o autor,
a inclusão é um processo amplo, com transformações, pequenas e grandes, nos
ambientes físicos e na mentalidade de todas as pessoas, inclusive da própria pessoa
com necessidades especiais. Para promover uma sociedade que aceite e valorize as
diferenças individuais, aprenda a conviver dentro da diversidade humana, através da
compreensão e da cooperação (Cidade e Freitas, 1997).
Na escola, "pressupõe, conceitualmente, que todos, sem exceção, devem participar
da vida acadêmica, em escolas ditas comuns e nas classes ditas regulares onde deve
ser desenvolvido o trabalho pedagógico que sirva a todos, indiscriminadamente"
(Edler Carvalho, 1998, p.170).
A escola como espaço inclusivo têm sido alvo de inúmeras reflexões e debates. A
idéia da escola como espaço inclusivo nos remete às dimensões físicas e atitudinais
que permeiam a área escolar, onde diversos elementos como a arquitetura,
engenharia, transporte, acesso, experiências, conhecimentos, sentimentos,
comportamentos, valores etc. coexistem, formando este locus extremamente
complexo. A partir disto, a discussão de uma escola para todos tem suscitado
inúmeros debates sobre programas e políticas de inserção de alunos com
necessidades especiais. A grande polêmica está centrada na questão de como
promover a inclusão na escola de forma responsável e competente.
Quanto a área da Educação Física, a Educação Física Adaptada surgiu oficialmente
nos cursos de graduação através da Resolução 3/87 do Conselho Federal de
Educação e que prevê a atuação do professor de Educação Física com o portador de
deficiência e outras necessidades especiais. Por isso sabemos que, muitos
professores de Educação Física e hoje atuantes nas escolas não receberam em sua
formação conteúdos e/ou assuntos pertinentes a Educação Física Adaptada ou a
Inclusão.
Sabemos também que nem todas as escolas estão preparadas para receber o aluno
portador de uma deficiência e por vários motivos, entre eles, porque os professores
não se sentem preparados para atender adequadamente as necessidades daqueles
alunos e porque os escolares que não têm deficiência não foram preparados sobre
como aceitar ou brincar com os colegas com deficiência.
A Educação Física Adaptada "é uma área da Educação Física que tem como objeto de
estudo a motricidade humana para as pessoas com necessidades educativas
especiais, adequando metodologias de ensino para o atendimento às características de cada portador de deficiência, respeitando suas diferenças individuais" (Duarte e
Werner, 1995: 9).
Segundo Bueno e Resa (1995), a Educação Física Adaptada para portadores de
deficiência não se diferencia da Educação Física em seus conteúdos, mas
compreende técnicas, métodos e formas de organização que podem ser aplicados ao
indivíduo deficiente. É um processo de atuação docente com planejamento, visando
atender às necessidades de seus educandos.
A Educação Física na escola se constitui em uma grande área de adaptação ao
permitir, a participação de crianças e jovens em atividades físicas adequadas às suas
possibilidades, proporcionando que sejam valorizados e se integrem num mesmo
mundo. O Programa de Educação Física quando adaptada ao aluno portador de
deficiência, possibilita ao mesmo a compreensão de suas limitações e capacidades,
auxiliando-o na busca de uma melhor adaptação (Cidade e Freitas, 1997).
Segundo Pedrinelli (1994: 69), "todo o programa deve conter desafios a todos os
alunos, permitir a participação de todos, respeitar suas limitações, promover
autonomia e enfatizar o potencial no domínio motor". A autora coloca que o
educador pode selecionar a atividade em função do comprometimento motor, idade
cronológica e desenvolvimento intelectual.
Na escola, os educandos com deficiência leve e moderada podem participar de
atividades dentro do programa de Educação Física, com algumas adaptações e
cuidados. A realização de atividades com crianças, principalmente aquelas que
envolvem jogos, devem ter um caráter lúdico e favorecer situações onde a criança
aprende a lidar com seus fracassos e seus êxitos. A variedade de atividades também
prevê o esporte como um auxílio no aprimoramento da personalidade de pessoas
portadoras de deficiência (Bueno e Resa, 1995). As crianças com algum nível de
deficiência (auditiva, visual, física e mental) podem participar da maioria das
atividades propostas.
IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA ESCOLA
É importante que o professor tenha os conhecimentos básicos relativos ao seu aluno
como: tipo de deficiência, idade em que apareceu a deficiência, se foi repentina ou
gradativa, se é transitória ou permanente, as funções e estruturas que estão
prejudicadas. Implica, também, que esse educador conheça os diferentes aspectos
do desenvolvimento humano: biológico (físicos, sensoriais, neurológicos); cognitivo;
motor; interação social e afetivo-emocional (Cidade e Freitas, 1997).
Conhecer para prevenir.......por exemplo:
No caso da deficiência física/motora a Disreflexia Autonômica: A disreflexia ou
hiperreflexia autonômica pode ocorrer em um aluno que tenha lesão medular alta
(T4 -6 ou acima). Um episódio de disreflexia autonômica pode acontecer súbita e
dramaticamente. Uma dor de cabeça em marteladas, sudorese, manchas cutâneas
acompanham hipertensão e queda na freqüência cardíaca. A hipertensão pode ser
maligna, se não tratada, pode resultar em perda da consciência total, crises
convulsivas, distúrbios visuais, apnéia e acidentes vasculares cerebrais por
hemorragia. Pode ocorrer óbito (Okamoto, 1990). As causas mais comuns da
Disreflexia são: problemas urinários, especialmente bexiga cheia demais,
infeccionada ou com pedras; dilatação do intestino causada por prisão de ventre;
escaras ou áreas sob pressão exagerada, e até mesmo a irritação causada por deitar-se sobre um objeto pequeno sem perceber; queimaduras e espamos uterinos,
principalmente antes e nos primeiros dias da menstruação ou durante o parto
(Werner, 1994). A disreflexia é uma emergência médica. Como medida preventiva
em suas aulas o professor que tiver um aluno com lesão medular, usuário de cadeira
de rodas, deve pedir que o aluno faça o esvaziamento da bexiga e intestino antes da
aula de Educação Física. Observar os locais de maior contato com a cadeira de rodas
(glúteos e as costas) para ver se não há a formação de escaras. E ainda observar
que as aulas de Educação Física não sejam na hora mais quente do dia, para que
não haja complicações do tipo: febre e insolação.
No caso da deficiência mental os professores de Educação Física precisam saber que
os portadores de Síndrome de Down apresentam problemas associados, dos quais
destacamos: cardiopatia - 50%; problemas respiratórios - 40%; hipotonia
generalizada - quase 100%; variação térmica - 100%; obesidade - acima de 50%;
problemas de linguagem - quase 100%; retardo mental - 100%; instabilidade
atlantoaxial - 12 a 20%; problemas de visão - 60%; problemas de audição - 50%;
má formação da tireóide - 4%; problemas odontológicos - quase 100%; hérnia
umbilical - quase 50%; distúrbios digestivos - 12%; leucemia - 10%; hepatite (A ou
B) - 70%. (Tezza, 1995). A instabilidade atlantoaxial, destacada aqui, é descrita
como instabilidade, subluxação ou deslocamento da primeira e segunda vértebras
cervicais (C1 e C2), onde se situa a articulação atlantoaxial. A instabilidade
atlantoaxial é um fator predisponente a complicações neurológicas. Aos alunos com
Síndrome de Down recomenda-se a investigação com Raio X lateral da coluna
cervical em posição neutra, flexão e extensão dentro da máxima amplitude de
movimento possível, antes de entrar na prática da atividade motora. Algumas das
atividades de risco para esta parcela de portadores da Síndrome de Down são:
ginástica olímpica, salto em altura, nado golfinho, mergulho, alguns exercícios de
aquecimento que causem o stress da região cervical e esportes de contato direto.
Observem que estas recomendações só são válidas para os acometidos de
instabilidade atlantoaxial.
No caso de deficiência visual assegure-se de que ele está familiarizado com o espaço
físico, percursos, inclinações do terreno e diferenças de piso, estas informações são
úteis pois previnem acidentes, lesões e quedas. É importante que toda a instrução
seja verbalizada, dando possibilidade para o que o aluno portador de deficiência
visual entenda a atividade proposta No banheiro ou vestiário mostre-lhe onde está o
vaso sanitário, o papel, a pia, etc. Cuidados especiais com os alunos de visão
subnormal, com patologia de deslocamento de retina, não deverão fazer atividade
física onde haja possibilidade de traumatismo na cabeça
No caso da deficiência auditiva veja se a prótese está bem adaptada, para evitar
ruídos, se está suja ou entupida, verifique as condições das pilhas e se está bem
regulada.
No caso da epilepsia é preciso saber que é uma situação que se caracteriza pela
existência de crises anômalas que tendem a repetir-se e que partem de descarga
cerebrais patológicas, não estando necessariamente associada a deficiência mental
ou outra deficiência (CORDE, 1992). São mais comuns as convulsões e as
ausências. Nas convulsões há vários tipos, há um tipo de crise convulsiva mais
severa, com movimentos violentos e descontrolados e perda da consciência. Neste
caso não tente mover a pessoa, a não ser que ela esteja em um lugar perigoso.
Proteja-a o melhor que puder contra ferimentos, mas não tente controlar os movimentos. Retire de perto qualquer objeto cortante ou duro. Não coloque nada na
boca da pessoa enquanto ela está tendo uma convulsão, e nem qualquer objeto para
impedi-la de morder a língua. No intervalo entre espasmos, vire gentilmente a
cabeça da criança para um lado, para que a saliva caia da boca e não seja levada
para os pulmões quando ele respira. Quando a crise acabar, a pessoa poderá ficar
sonolenta e confusa. Deixe que durma (Werner, 1994). Nos casos de ausência há
uma parada das atividades. O olhar fica vago e não responde se lhe falamos, pode
pestanejar, poucos minutos depois retoma a atividade sem se dar conta.
Conhecendo o educando, o professor poderá adequar a metodologia a ser adotada,
levando em consideração:
" Em que grupo de educandos haverá maior facilidade para a
aprendizagem e o desenvolvimento de todos;
" Por quanto tempo o aluno pode permanecer atento às tarefas
solicitadas, para que se possa adequar as atividades às possibilidades
do mesmo;
" Os interesses e necessidades do educando em relação às atividades
propostas;
" A avaliação constante do programa de atividades possibilitará as
adequações necessárias, considerando as possibilidades e capacidades
dos alunos, sempre em relação aos conteúdos e objetivos da Educação
Física. Segundo Bueno e Resa (1995), tais adequações envolvem:
" adaptação de material e sua organização na aula: tempo disponível,
espaço e recursos materiais;
" adaptação no programa: planejamento, atividades e avaliação;
" aplicar uma metodologia adequada à compreensão dos educandos,
usando estratégias e recursos que despertem neles o interesse e a
motivação, através de exemplos concretos, incentivando a expressão e
criatividade;
" adaptações de objetivos e conteúdos: adequar os objetivos e
conteúdos quando forem necessários, em função das necessidades
educativas, dar prioridade a conteúdos e objetivos próprios, definindo
mínimos e introduzindo novos quando for preciso.
As considerações acima levam em conta a remoção das barreiras para a
aprendizagem (Edler Carvalho, 1998), colocando o educando como o centro das
preocupações e interesses do professor.
Ao analisarmos a aprendizagem motora de portadores de deficiência não podemos
desconsiderar a atuação de suas habilidades cognitivas (atenção, memória,
resolução de problemas, generalização da aprendizagem) durante o todo o processo.
As dificuldades para a aprendizagem de um determinado movimento ou tarefa estão
relacionadas à deficiência e nível de comprometimento que o aluno apresenta.
Dentro do processo de aprendizagem motora, Marteniuk em 1976, propôs um
modelo para analisar os mecanismos internos básicos responsáveis pela produção do
movimento com os seguintes elementos: órgãos dos sentidos, mecanismos
perceptivo, mecanismo de decisão, mecanismo efetor, sistema muscular e circuitos
de feedback. Nesta abordagem o homem é visto como um processador de
informações, um sistema que recebe, processa, transmite, armazena e utiliza
informações. Neste caso o professor de Educação Física poderá ser capaz de analisar
em que parte do modelo proposto pode estar prejudicado, segundo o tipo de deficiência presente, e utilizar estratégias necessárias para adequar o movimento ou
tarefa motora. Para uma melhor compreensão do assunto, adaptamos de Bueno e
Resa (1995), o modelo de execução motriz que ilustra a relação entre os possíveis
problemas decorrentes do tipo de deficiência e a produção do movimento:
" Captação da informação/entrada da informação/Input Problemas -
visuais, auditivos, cinestésicos e cognitivos. Ex.: se o problema é
visual, o professor, como uma das alternativas, poderá verbalizar,
explicar o movimento/tarefa.
" Processamento central ou tomada de decisão/Mecanismo de decisão
Problemas - cognitivos e alterações neurológicas. Ex.: se o aluno é
portador de deficiência mental, ele levará mais tempo que os outros
alunos para processar a informação e tomas a decisão.
" Resposta ou mecanismo efetor/output Problemas - incoordenação
motora (paralisia cerebral), problemas orgânicos, cognitivos,
ortopédicos e falta de aptidão física. Ex.: no caso da paralisia cerebral
a resposta motora, à tarefa/movimento solicitado, o aluno terá
dificuldades no controle dos movimentos.
" Feedback - retroalimentação Problemas - visuais, auditivos,
neurológicos (ex.: incoordenação motora na paralisia cerebral) e
cognitivos. (adaptado de Bueno e Resa, 1995).
Além disso, é conveniente que o professor de Educação Física considere alguns
aspectos fundamentais, necessários e já conhecidos para uma melhor adequação das
tarefas ao tipo de necessidade (como forma de minimizar as barreiras para a
aprendizagem) que os alunos possam apresentar. Destacamos:
1. Aprendizagem global versus aprendizagem por partes - a
aprendizagem por partes é conveniente quando a complexidade da
tarefa vai aumentando. A demonstração do modelo total pode ser o
mais adequado quando o movimento não pode ser decomposto ou
quando a tarefa se apresenta de fácil execução. O objetivo é conseguir
que o aluno perceba a globalidade do ato motor e seja capaz de
executá-lo.
2. Importância da propriocepção na aprendizagem de uma habilidade
motora - a aprendizagem do movimento é influenciado e facilitado pela
percepção cinestésica. Assim o aluno pode vivenciar o movimento,
visualizar, apontar no outro, observar e comparar os seus movimentos
com o do colega.
3. Capacidade lingüística - é de suma importância que o professor
conheça a capacidade lingüística de seus alunos, já que a comunicação
verbal é um dos meios mais utilizados no processo de aprendizagem
motora.
4. Tipo de ajuda prestada - o professor de Educação Física deverá
prestar ajuda ao aluno que necessite dela para executar o movimento,
procurando escolher a que seja mais adequada a situação, seja ela
verbal ou por demonstração. Em alguns casos a ajuda manual ou
mecânica poderá ser necessária para os portadores de deficiência mais
comprometidos ou a medida que aumente a complexidade da resposta motora. No caso do portador de deficiência visual a ajuda verbal se
configura como elemento básico a ser utilizado pelo professor,
constituindo-se em muitas ocasiões no elemento que desencadeia o
movimento. Pelo contrário, no caso dos portadores de deficiência
mental o tipo de ajuda verbal poderá ser descartado em numerosas
ocasiões devido as dificuldades de compreensão da mensagem
(quando estas são muito longas).
5. Conhecimento dos resultados - o conhecimento dos resultados por
parte dos alunos se constitui em fator motivacional para a execução do
movimento ou tarefa por ele realizado, possibilitando feedback válido
de sua performance. O professor deve assegurar-se de que o aluno
compreendeu a tarefa, entretanto, se não houver esta compreensão o
professor poderá recorrer a diferentes estratégias que permitam o
entendimento da mensagem emitida. Geralmente, é no aluno portador
de deficiência mental onde com mais freqüência e facilidade vão surgir
os problemas de compreensão (Bueno e Resa, 1995).
Considerações Finais
Nesta nova situação, a Inclusão, é preciso como forma adicional, considerar as
peculiaridades da população associadas as estratégias que serão utilizadas. Com
base no que foi colocado, o professor de Educação Física poderá conhecer a
necessidade, os interesses e as possibilidades de cada aluno e de cada grupo com
que trabalha (o que já têm sido feito por ele). Existem uma infinidade de fatores que
influem na aprendizagem de portadores de deficiência entre elas as características
das tarefas motoras, o sujeito que aprende, aprendizagem prévia, o contexto da
aprendizagem, o tipo de informação, etc. Não existe nenhum método ideal ou
perfeito da Educação Física que se aplique no processo de Inclusão, porque o
professor sabe e pode combinar numerosos procedimentos para remover barreiras e
promover a aprendizagem dos seus alunos.
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