quarta-feira, 10 de julho de 2013

A HISTÓRIA DA DANÇA EM CADEIRA DE RODAS

Nossos estudos dá indícios que ele se deu, ao mesmo tempo, em diversos países, em decorrência dos movimentos históricos tanto da dança quanto das pessoas com deficiências. Também não há um único local específico de onde possa partir as nossas observações históricas. Assim, a busca pelo mapeamento do quadro histórico/simbólico da dança em cadeira de rodas, a ser aqui apresentado, trará à tona momentos da história factual que contribuíram para a compreensão do surgimento e crescimento desta modalidade.
Em 1930, nos Estados Unidos a bailarina Marian Chace,  estabeleceu uma metodologia de dança que permitia aos dançarinos desenvolverem sua autoconfiança e auto-estima, liberando-os das amarras que inibiam seus movimentos. Era uma forma de terapia, através da dança. Ao perceber a importância de sua iniciativa, Marian decide experimentá-la num meio mais amplo. Inscreve-se como voluntária na Cruz Vermelha, para atuar no Departamento de Psicodrama e trabalhar com pessoas com deficiência.  Com essa iniciativa formaliza-se a dança terapia como parte dos trabalhos de terapia ocupacional. Anos mais tarde, Marian deixa de ser voluntária e, em 1944, é contratada para dar continuidade ao trabalho. (ALBRIGHT, 1977).
Semelhante a esta proposta de trabalho de dança terapia, em 1980 foi criada pela professora Anne Riordan do Departamento de Dança Moderna da Universidade de Utah a Companhia de Dança Sunrise, que era composta de pessoas com deficiência. (SHERRIL, 1998).
Seguindo seu curso na história, a dança moderna, fonte de inspiração para a dança em Cadeira de rodas, quebrou com o conceito de unicidade de movimento e
passou a instigar uma proposta criativa.
Inspirados nesses preceitos, em  1979, dois  dançarinos da cidade de Eugene (Oregon) (Karen Nelson e Alito Alessi) fundaram a Joint Force Dance company. O propósito da companhia  era desenvolver uma técnica de dança baseada na proposta do coreógrafo Steve Paxton que busca  novas formas de movimento a partir do apoio físico mútuo que se dá entre os dançarinos. (ALESSI, 1997). O trabalho da Force Dance Company consiste, então, em laboratórios geradores de movimentos, a partir do contato de dois ou mais corpos, usando princípios de peso, fluência e confiança, dentre outros.
A partir de 1982, com o propósito de promover discussões acerca dessa proposta, o diretor artístico da companhia, Alito Alessi, desenvolveu o projeto Dancehability (Possibilidades de dança) e, através dele, passa a organizar o evento Internacional Breitenbush Contact Improvisation Teachers and performers Conference (Encontro Internacional de Breitenbush sobre o Ensino de improvisação, Contato e Conferência de artistas), que reúne profissionais, estudiosos e artistas. (Idem, 1997). Esse encontro contribui para aumentar os estudos sobre  as diversas possibilidades de movimento da dança,  instigando indagações e  mudanças paradigmáticas.
Em 1988, no decorrer de mais um workshop do Dancehability, Alessi conhece Emery Blacwell, que trabalhava com a expressão artística para pessoas com deficiência física. Do encontro dos dois resulta a inclusão de um workshop nos futuros eventos do Dancehability, no qual pessoas com deficiências e não deficientes são estimuladas a trabalharem conjuntamente, no sentido de descobrirem suas possibilidades corporais. (Idem, 1997). Essa proposta rompeu fronteiras e chegou até nós, no Brasil, influenciando alguns grupos que foram posteriormente criados aqui.
A Force Dance veio pela primeira vez ao Brasil, no período de 03 e 04 de abril de 1997,  ocasião em que apresentou o espetáculo Rodas da Fortuna durante o evento Semanas da Dança, promovido pelo Centro Cultural São Paulo. A abordagem  trabalhada pelo grupo, sem dúvida, trouxe contribuições significativas para o desenvolvimento desta modalidade no pais. A definição de uma proposta de dança com seus componentes  estruturais, que possibilita o fazer movimentos, encorajou grande parte dos grupos brasileiros que, durante a estadia da Companhia no Brasil, participaram  dos workshops ministrados por seus coreógrafos. Os encontros aconteceram na AACD – Centro de Reabilitação de São Paulo (05 e 06/04/97) e no CEPEUSP  (11, 12,13/04/97), registrando assim o primeiro contato internacional com  a  dança  em  cadeira  de  rodas. (PONZIO, 1997 a 1997b).
Na Europa, os motivos geradores do que constituiu o percurso histórico  da Dança em Cadeira de Rodas, com freqüência, envolvem uma fatalidade. Este é o caso na criação do CandoCo Dance Company. Em 1973,  Celeste Dandeker,  bailarina da London Contemporary Dance Theater, sofreu um acidente durante uma  apresentação em Manchester,  fraturou uma das vértebras e ficou paraplégica.  Alguns anos depois, ela conheceu Adam Benjamin,  um coreógrafo que estudava a possibilidade de integrar bailarinos de diferentes condições físicas no “Mike Healffey Centre”. Juntos, eles passaram a ministrar vários workshops, na Inglaterra, sobre a possibilidade da dança para pessoas com deficiência. Dessa iniciativa surgiu, em 1991, a Companhia  CandoCo Dance. (MAGIOLO, 1996; CHARMAN, 2000).
O CandoCo apresenta em seu trabalho uma mescla interessante de estrutura, o desenvolvimento de uma linguagem muito própria de movimentação, oferecendo  aos olhos da platéia um deslocamento daquilo que é o lugar-comum do dançarino, colocando o espectador frente a frente com o desvio corporal.
Essa companhia esteve no Brasil, em 1996, a convite do SESC Ipiranga, apresentando o espetáculo “A cross, your Heart”. (Idem, 2000).  Na ocasião, também realizou workshops para os interessados na atividade. Em novembro de 2002  o mesmo grupo retornou ao país, para participar do I Congresso Internacional do Very Special Arts, realizado na capital mineira,  Belo Horizonte. Nessa oportunidade, o  grupo apresentou seu novo trabalho e ministrou alguns workshops, na cidade de Belo Horizonte e  Juiz de Fora, em Minas Gerais.
Seguindo o fluxo de busca e criação de novas possibilidades de movimentos, tem-se a história da americana  Mary Verdi-Fletcher, que nasceu com espinha bífida, mas, já desde criança, inconformada com sua condição, se questionava: “Como eu poderia fazer os mesmos movimentos de dança ou como eu poderia fazê-los diferente?” As reflexões e experimentações de Mary, com o apoio dos pais – que eram professores universitários, levaram-na a desenvolver uma  técnica própria e, depois, criar também sua própria companhia, a Dancing Wheels.  (ULE  MELINDA, 1993).
Em 1989, a Dancing Wheels propôs à renomada Cleveland Ballet Company a  unificação das duas companhias. Não é conhecido os argumentos que fundamentaram a proposta, o certo, porém, é que em setembro de 1990 foi criando o Cleveland Ballet Dancing Wheels, constituindo-se uma companhia que privilegiava as habilidades performáticas das dançarinas com deficiência física.
Nesse movimento crescente e inovador, base criadora da modalidade, é perceptível que o corpo de dança em cadeira de rodas vai se construindo através de uma  inscrição baseada nas particularidades de cada grupo. É possível observar que a própria dança em cadeira de rodas está se constituindo por uma multiplicidade quanto ao uso do corpo que a executa. Os estilos variados permitem um novo jogo de imagens e  abordagens temáticas. Cada performance apresenta uma lógica própria.
Assim como nos Estados Unidos e na Europa, no Brasil, os grupos de dança foram surgindo de iniciativas próprias por diferentes profissionais, quase ao mesmo tempo. O Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, por exemplo, possui um programa de Atendimento à Pessoa Portadora de Deficiência, que  há anos, desenvolve um grande número de atividades para pessoas com deficiência.
Em 1990, nessa Universidade, inspirado no trabalho com modalidades esportivas em cadeira de rodas  desenvolvido no programa já mencionado, surge a proposta de se realizar a dança em cadeira de rodas.
O trabalho foi  realizado no decorrer de 05 anos por Eliana Lucia Ferreira e orientado por Apolônio Abadio do Carmo. O grupo de dança que se formou,  Grupo Ázigo, teve a oportunidade de participar de vários eventos nacionais, apresentando-se inclusive no Festival de Dança de Joinville.
Um outro trabalho que merece destaque é o de Rosangela Bernabé. Influenciada pelo método “Contact Dance Improvisation” desenvolvido pelo dançarino norte-americano, Alessi, já mencionado acima, a fisioterapeuta, em 1988 – atendendo ao anseio de uma criança com deficiência, que buscava superar os limites que essa condição lhe impunham -  começa  uma proposta de trabalho com a dança. Como resultado, em 1991, criou-se o Grupo Giro, que existe ainda hoje e se apresenta em eventos artísticos.  (BERNABÉ, 2001b).
Quase ao mesmo tempo, foi também criado o grupo Cia. Limites, formado por 16 dançarinos com e sem deficiência. O grupo é coordenado pela bailarina Andréia Bertoldi e o trabalho, desenvolvido no Teatro Guaíra, em Curitiba/PR.  Seu desenvolvimento é baseado na “Progressão Qualitativa do Movimento”.
Confirmando a força dessa tendência propulsora da participação de pessoas com deficiência em atividades artísticas e esportivas, foi criada no Brasil, em 1990 a Very Special Arts – VSA,  filiada ao Kennedy Center for the Performing Arts. Seu objetivo, o de divulgar os trabalhos culturais de pessoas com deficiência. Esta associação não governamental, composta por comitês estaduais e municipais, dedica-se anualmente à organização de eventos que possibilitam a apresentação e divulgação de diversas modalidades artísticas dentre as quais está inclusa a dança.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte é um outro centro difusor de conhecimento e de troca de experiências nesta modalidade. A partir de 1995, através do curso de Especialização realizado pelo Departamento de Artes, em parceria com o Hospital Universitário, iniciou-se um projeto de extensão em Dança, para as pessoas com deficiência. Este trabalho culminou com  o surgimento da companhia Roda Viva Cia. de Dança. A metodologia aplicada para o desenvolvimento do trabalho foi  baseada no Método Dança-Educação Física, desenvolvido por Edson Claro.  (AMOEDO, 2001).
No Brasil, tanto a produção científica nesta área, quanto a formação de grupos de dança têm se mostrado crescente desde 1991, quando ocorreu a primeira publicação. Uma pesquisa por nós realizada, em 1996, revelou a existência de 09 grupos de dança em cadeira de rodas no Brasil. A mesma pesquisa foi repetida em 2001 e, por ela, constatamos a existência de mais de  30 grupos, no território nacional (FERREIRA, 2002b). Na academia, embora o número de dissertações de mestrado sobre o assunto seja ainda pequeno, a sua ocorrência mostra o interesse por parte de pesquisadores. A tendência natural é o crescimento desse interesse, sobretudo, porque os questionamentos sobre o desenvolvimento da dança em cadeira de rodas têm aumentado em muitos países
Na Inglaterra, em fevereiro de 2002, ocorreu o Congresso Dancing Differently. Esse congresso foi um fórum que privilegiou a luta pelo reconhecimento da diferença e a necessidade de abertura de espaços na área da dança. (MATOS, 2002).
No Brasil,  estas reflexões foram marcadas com a realização do I, II e III Simpósio Internacional de Dança em Cadeira de Rodas, organizados em  2001, 2002  e em 2003.  (FERREIRA, TOLOCKA, 2001; 2002).


Na Europa, através da  Spastics Society School, uma escola da cidade de  Londres.  No início, as atividades tinham por objetivo possibilitar que os novos usuários de cadeira de rodas desenvolvessem o seu próprio conceito do novo  significado de locomoção em suas vidas. As primeiras aulas consistiam em movimentar-se para a esquerda/direita, frente/atrás e deslocamentos com giros. Estes movimentos eram treinados para serem executados em um espaço determinado e limitado. Mas, devido ao grande interesse dos alunos em realizar estes movimentos de forma ritmada, logo surgiu a proposta de trabalhos em grupos e, conseqüentemente, novos movimentos associados ao ritmo musical passaram a ser explorados. O que inicialmente era uma marcha militar, com o propósito de desenvolver uma nova forma de  locomoção foi ampliada através de movimentos mais divertidos, garantido os mesmos benefícios. A partir  do momento que se  associou  os  diferentes movimentos corporais  à musica,  as pessoas em cadeira de rodas começaram então a dançar.
Durante muitos anos  os movimentos realizados pelo grupo da Spastics continuaram sendo vistos apenas como gestos corporais ritmados, sem muita técnica. No entanto, aqueles que os executavam, acreditavam na  possibilidade de se tornarem dançarinos em uma cadeira de rodas. Com essa aspiração, após o trabalho caracterizado por danças compostas de movimentos simples e lentos como a valsa inglesa, os dançarinos passaram a realizar movimentos de giros e a ter controle da velocidade e da direção da cadeira de rodas no ritmo da música. Assim, gradativamente, novos estilos de dança foram sendo incorporados no que se passou a chamar de Dança em Cadeira de Rodas.
Mas a história da Spastics não para aí. Em 1968, a professora Miss Harge, envolvida no projeto, foi nomeada conselheira de Educação Física da Spastics Society, e teve, então, a inspiração e a oportunidade de propor a introdução da dança em cadeira de rodas em outros centros de reabilitação e outras escolas. A proposta deixava de ser uma atividade terapêutica para ser uma atividade lúdica. (HART, 1976).
Os resultados, segundo Hart, foram surpreendentes. Através da dança, os usuários da cadeira de rodas tornaram-se mais autoconfiantes, adquiriram maior controle da cadeira, melhoraram sua concentração, passaram a trabalhar em grupos e, além disto, conseguiram ser reconhecidos pela criatividade.
O primeiro sinal positivo do reconhecimento da modalidade acontece já em abril de 1971, com a primeira competição de dança em cadeira de rodas. O evento aconteceu no Hammersmith Palais, cedido pelo senhor E Morley da Mecca Promotions, e contou com a participação de 10 grupos. As duplas participantes foram divididas, conforme a idade, em adultos e juvenis e subdivididos em classes  A e B. Faziam parte da classe A, os dançarinos  que possuíam os movimentos de mãos preservados e um  bom controle da cadeira de rodas.  Na classe B estavam os dançarinos que utilizavam cadeira de rodas elétrica.
A partir daí, a cada ano, competições e festivais de dança foram ocorrendo e incorporando novos adeptos e novos estilos.
Por outro lado, a  sociedade passou a ser mais sensível aos problemas das pessoas com deficiência a partir das guerras do século XX. As nações mais desenvolvidas estabeleceram leis e políticas sociais para atender às necessidades destas populações. Na tentativa de facilitar o seu processo de integração foram criadas instituições especializadas para  seu atendimento. Nos USA, por exemplo, foi aprovado, em 1918, o “Vocational Rehabilitation Act”, uma lei que garantia aos militares lesados na guerra condições de  participação em programas de reabilitação para o trabalho. Em  1920, outra lei, o “Fess-Kenyon Civilian Vocational Rehabilitation Act”, autorizava militares e civis  com  deficiência física  a participarem do programa. (SILVA, 1986).
Nos hospitais, como parte do programa de reabilitação e com o fim de auxiliar no tratamento terapêutico, foram introduzidos jogos em cadeira de rodas. De acordo com Hullu (2002), a proposta de usar o esporte como uma forma de tratamento e reabilitação foi inicialmente desenvolvida na Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, sendo introduzida posteriormente em outros paises. Na Inglaterra, em 1944, Dr. Ludwig Guttman solicitou ao governo Britânico para introduzir atividades esportivas, como parte da reabilitação, no Hospital de Stoke Mandeville. Alguns anos mais tarde, o esporte que se iniciara com competição passa também a ser utilizado como forma  terapêutica/recreativa. (ADAMS, 1985).
A proposta de trabalhar com o esporte no processo de reabilitação tinha como objetivo promover a sociabilização, desenvolver novas habilidades e permitir que os reabilitandos descobrissem suas próprias possibilidades de movimentos através de atividades lúdicas.
Em relação à dança em cadeira de rodas, as primeiras competições foram realizadas em caráter não oficial, como campeonatos regionais locais. O primeiro país a sediar esta modalidade foi a Holanda em 1985, seguido pela Bélgica em 1987 e pela Alemanha em 1991. Em paralelo a este último campeonato, ocorreu, também na Alemanha, a segunda Conferência de Dança em Cadeira de Rodas, realizada em 18 de Janeiro de 1991 no Hotel Íbis, em Munique. Nesse encontro constituiu-se a Wheelchair Dancesport Committee, WDSC, que era um sub-comitê da ISOD. Sua responsabilidade era a dança em cadeira de rodas tanto na modalidade recreativa como na competitiva. Participaram desta conferência 40 dançarinos de 13 paises europeus.[1]
Em 25 de abril de 1992 ocorreu a primeira competição de dança em cadeira de rodas, organizada pelo WDSC em parceria com a Deutscher Rollstuhl-Sportverband, Fechbereich Tanz in Arrangement.[2]
De 1993 em diante, a cada dois anos, o sub-comitê organizou os seguintes campeonatos Europeus: Holanda (1993), Alemanha (1995), Suécia (1997) e Grécia (1999). O reconhecimento como competição internacional, porém, aconteceu apenas no evento de 1997 na Suécia. Nesse mesmo ano, ocorreu um outro fato positivo: a modalidade foi demonstrada nas Paraolimpíadas de Inverno em Geilo/Noruega. Depois desse evento, diversos paises reuniram-se para regulamentar este novo esporte, entre eles (Alemanha, Bélgica, Holanda, Suécia, Ucrânia).  Mas, somente em 2000, na Noruega, ocorre o Primeiro Campeonato Mundial da modalidade com o reconhecimento do IPC.  (HULLU,  2002).
A partir da fundação da CBDCR, concomitante ao Simpósio Internacional de Dança em Cadeira de Rodas, passou-se a realizar Campeonatos de Dança Esportiva em Cadeira de Rodas
[1] Estes dados foram obtidos através da carta encaminhada ao Grupo Ázigo – Brasil em 16/10/91.
[2] Estas informações foram obtidas a partir do documento de organização deste evento assim como a programação do  mesmo, enviado para o  Grupo Ázigo – Brasil em 1992.



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