sexta-feira, 27 de julho de 2012

A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO


Artigo publicado em: OLIVEIRA, Maria Helena Alcântara de e outros. Trabalho e deficiência mental: perspectivas atuais. Brasília: Apae-DF, 2003, p. 111-132.

acessibilidade. s.f. (do latim: accessibilitate) 1. Facilidade de acesso, de obtenção. 2. Facilidade no trato. – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa - Michaelis 2000, p. 37.
acesso. s.m. (do latim: accessu) 1. Aproximação, chegada, entrada, admissão, alcance. 4. Passagem, trânsito. – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa - Michaelis 2000, p. 37.
acessibilidade. s.f. 1. Qualidade ou caráter de acessível. 2. Facilidade na aproximação, no trato ou na obtenção. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa - Aurélio, p. 22.
acesso. s.m. 1. Ingresso, entrada. 2. Trânsito, passagem. 3. Chegada, aproximação. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa - Aurélio, p. 23.

Breve histórico do movimento pela acessibilidade
O termo ‘acessibilidade’ começou a ser utilizado com muita freqüência nos últimos anos, em assuntos de reabilitação, saúde, educação, transporte, mercado de trabalho e ambientes físicos internos e externos. Historicamente, a origem do uso desse termo (para se referir à condição de acesso arquitetônico das pessoas com deficiência) está no surgimento dos serviços de reabilitação física e profissional, ocorrido no final da década de 40.
Na década de 50, com a prática da reintegração de adultos reabilitados, ocorrida na própria família, no mercado de trabalho e na comunidade em geral, profissionais de reabilitação constatavam que essa prática era dificultada e até impedida pela existência de barreiras físicas nos espaços urbanos, nos edifícios e residências e nos meios de transporte coletivo. Surgia assim a fase da integração, que duraria cerca de 40 anos até ser substituída gradativamente pela fase da inclusão.
Na década de 60, algumas universidades americanas iniciaram as primeiras experiências de eliminação de barreiras arquitetônicas existentes em seus recintos: áreas externas, estacionamentos, salas de aula, laboratórios, bibliotecas, lanchonetes etc.
Na década de 70, graças ao surgimento do primeiro centro de vida independente do mundo (que aconteceu em 1972 na cidade de Berkeley, Califórnia, EUA), aumentaram a preocupação e os debates sobre a eliminação de barreiras arquitetônicas, bem como a operacionalização das soluções idealizadas.
Na década de 80, impulsionado pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981), o segmento de pessoas com deficiência desenvolveu verdadeiras campanhas em âmbito mundial para alertar a sociedade a respeito das barreiras arquitetônicas e exigir não apenas a eliminação delas (através do desenho adaptável) como também a não-inserção de barreiras já nos projetos arquitetônicos (através do desenho acessível). No desenho adaptável, a preocupação está em adaptar os ambientes obstrutivos, portanto já existentes. No desenho acessível, a preocupação está em exigir que os arquitetos, engenheiros, urbanistas e desenhistas industriais não incorporem elementos obstrutivos nos projetos de construção de ambientes e utensílios. Tanto no desenho adaptável como no acessível, o beneficiado específico é a pessoa com deficiência.
Na década de 90, começou a ficar cada vez claro que a acessibilidade deverá seguir o paradigma do desenho universal, segundo o qual os ambientes, os meios de transporte e os utensílios devem ser projetados para todos (portanto, não apenas para pessoas com deficiência). E, com o advento do paradigma da inclusão e do conceito de que a diversidade humana deve ser acolhida e valorizada em todos os setores sociais comuns, hoje entendemos que a acessibilidade não mais se restringe ao aspecto arquitetônico, pois existem barreiras de vários tipos também em outros contextos que não o do ambiente arquitetônico.
Podemos, por exemplo, dizer que uma empresa inclusiva é aquela que está implementando gradativamente as medidas de acessibilidade nas seis dimensões apresentadas a seguir.
As seis dimensões de acessibilidade
Assim, as SEIS DIMENSÕES DE ACESSIBILIDADE NAS EMPRESAS INCLUSIVAS deverão existir também em todos os outros ambientes internos e externos onde qualquer pessoa, com ou sem deficiência, tem o direito de circular. Suas respectivas características, hoje obrigatórias por lei e/ou por conseqüência do paradigma da inclusão, são as seguintes, no caso das empresas inclusivas:
Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas, no interior e no entorno dos escritórios e fábricas e nos meios de transporte coletivo utilizados pelas empresas para seus funcionários.
Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação virtual (acessibilidade digital).
Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de trabalho (métodos e técnicas de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, execução de tarefas, ergonomia, novo conceito de fluxograma, empoderamento etc.).
Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de trabalho (ferramentas, máquinas, equipamentos, lápis, caneta, teclado de computador etc.).
Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em políticas (leis, decretos, portarias, resoluções, ordens de serviço, regulamentos etc.).
Acessibilidade atitudinal: sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, como resultado de programas e práticas de sensibilização e de conscientização dos trabalhadores em geral e da convivência na diversidade humana nos locais de trabalho.
Observação: A acessibilidade tecnológica não constitui mais uma dimensão de acessibilidade e sim o aspecto tecnológico que permeia as acessibilidades acima, com exceção da atitudinal.
Custo das adaptações e adequações em recintos de trabalho
Estudos têm demonstrado que o custo das adaptações e adequações em recintos de trabalho é relativamente baixo considerando-se os benefícios que resultam não só para o trabalhador com deficiência como também para todos os demais empregados.
Em minhas palestras e cursos sobre práticas inclusivas em empresas comuns, tenho divulgado o quadro abaixo:
31% Nenhum custo
19% Custo entre R$1,80 e R$89,00
19% Custo entre R$90,00 e R$899,00
19% Custo entre R$900,00 e R$1.799,00
11% Custo entre R$1.800,00 e R$4.999,00
1% Custo de R$5.000,00 ou mais.
Portanto, 50% (31% + 19%) das adaptações/adequações custam de nenhum real até R$89,00; enquanto, 69% (31% + 19% + 19%) das adaptações/adequações custam de nenhum real até R$899,00.
Estes dados, calculados em dólares, foram levantados em um estudo nacional feito em 1991 nos EUA pela Job Accommodation Network (JAN). JAN é um serviço patrocinado pelo governo federal e organizado especificamente para informar a comunidade empresarial a respeito de como acomodar empregados que tenham deficiência. Este estudo foi divulgado por vários meios, dentre os quais se destacam:
• SIMPKINS, Karen L.; KAPLAN, Rochelle K. Fair play for disabled persons: our responsibilities under the new ADA. Journal of Career Planning and Employment, vol. 51, n. 2, p., 1991.
• EASTERN PARALYZED VETERANS ASSOCIATION. Understanding the ADA: a clear and comprehensive prohibition of discrimination. p. 1-20, 1991.
• MIGUEZ, Joy R. Will the Americans with Disabilities Act have an impact on hiring persons with disabilities? University of Southwestern Louisiana, 28 abr. 1993.
• HALL, Mimi. Doors open to the disabled: more access due under landmark law. USA Today, caderno A, p. 1-2, 22 jul. 1993.
• BADER, Nancy. Meeting the challenge of the Americans with Disabilities Act. Business News, vol. 2, n. 2, p. 26-28, verão de 1993.
Todas estas publicações ocorreram após a aprovação da Americans with Disabilities Act (ADA), ou seja, a Lei dos Americanos com Deficiência, assinada pelo então Presidente George Bush em 26 de julho de 1990, exatamente às 10h26, numa cerimônia pública ao ar livre defronte à Casa Branca, em Washington, D.C. A esta cerimônia compareceram mais de 3.000 ativistas do movimento de direitos das pessoas com deficiência (inclusive dois dos maiores líderes com deficiência que conheci nos EUA em 1991 e que depois vieram ao Brasil para dar palestras e participar de reuniões: Judy Heumann e Lex Frieden).
Perguntas vindas do mundo corporativo
As seguintes perguntas, todas muito importantes, me foram feitas por Paola Verlangieri de Souza e foram por mim respondidas:
1. Quais os critérios e a metodologia usada para levantamento das porcentagens apresentadas pelo senhor no congresso e como chegou a estes números?
Resposta: O estudo feito pela Job Accommodation Network (JAN) teve origem nas exigências impostas pela Lei dos Americanos com Deficiência (ADA, 1990), que abrange cinco grandes áreas de interesse para as pessoas com deficiência e para a sociedade: 1) Emprego, 2) Serviços Públicos, 3) Locais Públicos e Serviços Operados por Entidades Particulares, 4) Telecomunicações, 5) Providências Diversas. A pergunta nos remete à área do emprego. Os critérios e a metodologia usados no estudo da JAN foram aqueles que partiram da seguinte exigência: “Nenhuma organização discriminará contra uma pessoa com deficiência que possua qualificação profissional, por causa da sua deficiência em relação a procedimentos de solicitação de emprego, à contratação, à promoção e à demissão de empregados, à indenização de demitidos, a treinamento profissional e outros termos, condições e privilégios do emprego.” Uma pessoa com deficiência e com qualificação profissional é aquela que, apesar da deficiência, consegue desempenhar as funções essenciais de um emprego, mesmo que seja necessário que se façam adaptações razoáveis no seu posto de trabalho. Adaptações razoáveis são modificações nos recintos, procedimentos, normas ou operações a fim de que os recintos, serviços e oportunidades de trabalho para pessoas deficientes qualificadas sejam equivalentes àqueles disponíveis para pessoas sem deficiência, a menos que a adaptação represente uma “sobrecarga excessiva”. Uma sobrecarga excessiva significa uma ação ou medida que requeira dificuldade ou despesa significativa em termos de custo da adaptação, de recursos financeiros gerais e de impacto num determinado posto de trabalho. Os custos se referem, portanto, à execução de tais adaptações razoáveis.
2. Qual foi o número de empresas pesquisadas para este levantamento e em que ramo de atividade econômica estão inseridas?
Resposta: Não encontrei o número de empresas pesquisadas, o qual deve ser elevado pois a ADA é federal e o Comitê Presidencial de Emprego de Pessoas com Deficiência sempre divulga informações de interesse nacional. Mas, com certeza, o estudo envolveu todos os ramos de atividade econômica, pois a ADA é válida para quaisquer empresas, serviços públicos ou logradouros públicos operados por entidades particulares.
3. As adaptações sugeridas dizem respeito a que tipos de deficiência?
Resposta: A ADA abrange, indistintamente, todos os tipos de deficiência, pois ela foi concebida numa perspectiva de não-exclusão de ninguém, qualquer que seja a sua deficiência.
4. Como se aplica esta porcentagem no Brasil?
Resposta: Estes dados se aplicam universalmente, desde que as taxas de câmbio sejam corretamente calculadas em cada país. Qualquer empresa, instituição, órgão governamental ou organização não-governamental poderá aplicar estes dados na definição de verbas a serem solicitadas para fins de implementação de projetos sociais envolvendo eliminação e/ou diminuição de barreiras atitudinais, arquitetônicas e programáticas. Portanto, exemplos de adaptação razoável incluem: recintos de trabalho acessíveis, reestruturação do emprego, programação modificada de trabalho, designação a uma vaga, aquisição ou modificação de equipamento ou dispositivo, ajustamento adequado ou modificação dos testes admissionais, materiais ou políticas de treinamento, qualificados ledores e intérpretes da língua de sinais. Observe-se que a natureza e os custos de cada adaptação são medidos face aos seguintes fatos principais: 1) os recursos financeiros globais do recinto, 2) o número total de empregados, 3) o montante do orçamento da empresa, 4) o número e os tipos de recintos ou instalações que pertencem à empresa, e 5) se as adaptações representariam uma ruptura na missão da empresa.
Medidas sugeridas por advogados aos empregadores
Philip L. Gordon, advogado da firma de advocacia Latham & Watkins, em Washington, DC., apresentou uma relação de 11 medidas para os empregadores que desejarem cumprir as exigências da Lei dos Americanos com Deficiência, que são as seguintes [GORDON, Philip L. The job application process after the Americans with Disabilities Act. Employee Relations Law Journal, vol. 18, n. 2, p. 185-212, 1992]:
Empregadores precisam:
1) Julgar pessoas com deficiência pelos méritos individuais dela e não pelas noções estereotipadas que eles têm sobre empregos que pessoas com determinado tipo de deficiência podem desempenhar.
2) Solicitar sugestões dos candidatos com deficiência e empregados com deficiência a respeito de adaptações razoáveis.
3) Ser flexíveis e de mente aberta em sua busca por adaptações razoáveis.
4) Proteger o direito das pessoas à privacidade (quanto às condições médicas).
5) Procurar a orientação de um médico fisiatra no fechamento de casos.
6) Identificar as habilidades, experiência e os requisitos educacionais de qualquer emprego para o qual estiverem contratando e as funções essenciais daquele emprego antes de anunciarem ou entrevistarem candidatos.
7) Manter informado sobre as exigências da ADA o pessoal envolvido no processo de entrevistas de candidatos.
8) Evitar perguntas sobre o status da deficiência que o candidato possa ter.
9) Determinar se uma adaptação razoável será necessária e se ela permitirá que o candidato desempenhe as funções essenciais do emprego.
10) Determinar qual adaptação será razoável.
11) Este processo variará com o entendimento do candidato sobre o que constituem as funções essenciais do emprego e com o entendimento do empregador sobre as necessidades do candidato. Manter registros escritos de todas as entrevistas de seleção.
Deficiente também tem o seu direito de trabalhar e ser uma pessoa normal  seja  qual for a deficiência dela  

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